sexta-feira, 3 de abril de 2009

Quase morri uma vez (ou Propósito)

Eu quase morri uma vez.

Embora eu tenha sofrido um acidente que me deixou sangrando até pela boca, não é desse momento que estou falando. O gosto de sangue acaba não sendo tão ruim. A gente chega perto da morte quando deixa a vida tomar qualquer rumo. É só imaginar um barco à deriva. Ele pode até conseguir atracar num porto mas não há disposição para isso. A sua sentença é viver no meio do nada, sem propósitos. Acho que essa é a palavra-chave.

propósito s. m.
1. Deliberação tomada, resolução. 2. Tenção, intento, projecto. 3. Assunto, objecto, fim, mira. (...)


Quando não se tem propósitos, não se tem motivos para realizar alguma coisa. Então, o que eu estou fazendo aqui? Lembro agora do filme Pequeno Milagre. Simon Birch acreditava que Deus tinha um propósito para ele. Essa certeza era o combustível que o impulsionava. Coincidência ou não, ele acabou mudando a vida de muita gente. Mas muitos não encontram sentido nenhum na vida. O heterônimo Álvaro de Campos, em Tabacaria, afirma não ter feito propósito nenhum. Talvez fosse só uma desculpa para todas as derrotas em seus intentos. É uma tentativa de esconder os insucessos. Pobre Álvaro. Mal sabe ele que a vitória se constrói aos poucos e se aproveita dos ensinamentos advindos das derrotas. Um homem precisa de sonhos.

Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.


Agora o poeta tem a consciência que a falta de ação é que faz a diferença. Isso é o que aparta os homens. A poesia em questão é o típico pensamento que passa pela cabeça de muita gente. Diagnosticamos a doença e já sabemos o remédio. Parece fácil. Só falta um empurrãozinho. Não é só a inércia intrínseca dos sem-atitude. As pessoas reagem diferente. Algumas precisam de um guia (pai, irmão, pastor, professor [John Keating], padre, amigo, ...); outras, só mudam após uma revelação (sobrenatural [São Paulo, Pascal] ou através da busca interior [Siddhartha Gautama]).

Eu acho que estou precisando mesmo é tomar vergonha na cara e arregaçar as mangas.

2 comentários:

Karila disse...

Sem propósito. Morta-viva. À deriva. Auto-boicote. Emburrecimento. Cansaço.

É Renatim, por isso que eu sempre puxo sua orelha para que vc não se esqueça do blog... ...é como eu sempre digo: vc demora, mas qdo vem, vem com a classe que lhe é característica...

Mário Aragão disse...

Tome tento!

Mas antes uma cachacinha com limão pra comemorar o aniversário e afastar a gripe suína.

Abraço.