Entro na sala de acolhimento e pergunto quem ainda falta ser atendido. Minhas colegas me mostram as fichas dos clientes que estão aguardando. Eu pego a primeira e saio para preparar a sala. Na volta convido uma amiga para entrar comigo e ser minha "assistente". Chamo o nome escrito na folha, ela levanta e me acompanha até a sala. É uma senhora, com cabelos um pouco desarrumados e roupa simples.
Entramos na sala e faço a pergunta inicial de todo atendimento: "O que lhe traz aqui hoje?". Antes mesmo de finalizar a pergunta ela se desmancha em lágrimas. Tenho vontade de chorar também, mas permaneço firme. Ela me conta o medo que tem de sair e de ficar em casa, que já sofrera três assaltos, sendo um deles em sua residência, que mudou sua rotina, endereço e costumes em função do medo. Seu marido a ajuda, lhe dá apoio e não a deixa ficar sozinha em casa. Mas isso lhe traz um fardo: ela acha que está atrapalhando a vida do companheiro.
Enquanto ela fala meu coração vai ficando apertado, a agonia é um sentimento forte, presente. Faço algumas intervenções dentro do discurso trazido. As intervenções, dentro da abordagem que trabalho (a ACP), são uma forma de tornar mais claro algo que ainda é confuso para o cliente entender. Ela parece refletir e aceitar o que digo. Minha colega também faz algumas colocações e aos poucos ela vai se acalmando. Até que no final da sessão ela esboça um singelo sorriso.
Na ACP a principal ferramenta de trabalho é a relação psicólogo/cliente. O psicólogo deve entrar na "morada" do outro, sem perder o "endereço" da sua própria, podendo trazer para relação sua experiência pessoal. É como se eu tivesse que ser eu, para que o outro possa se sentir confortável de ser ele mesmo. Uma das coisas mais certas que eu ouvi na psicologia é que: "o não dito, também fala"!
Aquela mulher não falou com palavras mas colocou ali, entre quatro paredes, a falta de fé, a baixa auto-estima e a angústia de não se reconhecer mais. Ela não quer ser mais aquela. Ela quer ser aquela outra. A pessoa antes do medo. A pessoa que não andava no piloto-automático e que tinha um lugar seguro. Agora, só encontra segurança no seu trabalho, que tanto ama. Mas até lá é preciso enfrentar um caminho, que a cada dia se torna mais torturante e mais difícil de chegar.
Deixo claro que a principal responsável pelo sucesso dessa travessia, é ela. Com passos de bebê ela pode chegar lá, comprometendo-se consigo mesma e com seu caminho. Eu sou apenas uma assistente, que vai caminhar ao seu lado, que vai tentar iluminar o caminho, quando ela estiver preocupada em olhar apenas para os seus pés. A perseverança de dar um passo após o outro, não pertence a mim. A força e capacidade de superar-se é algo inerente a ela.
domingo, 31 de maio de 2009
O MEDO QUE PARALISA
Postado por
Karila
às
19:06
Marcadores: Baseados em Fatos Reais, reflexões psi
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